O CORAL GREGORIANO DE SANTOS

De vez em quando, numa missa, os fiéis são surpreendidos por um coro de homens que cantam em latim, uma música que, hoje em dia, só se ouve em filmes sobre tempos antigos ou em alguma cerimônia televisada diretamente do Vaticano.
Outras vezes é num casamento que os circunstantes são surpreendidos por um coral que, mesmo em polifonia, só canta músicas dos velhos tempos, despertando em todos as saudades de épocas passadas, em que a liturgia era mais solene e os cantos litúrgicos mais elaborados, cantados por vozes escolhidas, ao som de verdadeiras orquestras.

A impressão é sempre favorável, mas o coral aparece e desaparece como se fora uma visão de tempos passados, deixando sempre uma interrogação no ar. Que coral é esse? De onde é? Como é que se faz para conseguir a sua participação numa cerimônia?

Não há nenhum mistério.

O CORAL GREGORIANO DE SANTOS foi fundado em 1972 por um grupo de amantes da música sacra, em sua maioria ex-seminaristas. Os primeiros tempos foram difíceis devido à dificuldade para a aquisição de material necessário para estudo e desenvolvimento do grupo, uma vez que não se encontravam obras em gregoriano à venda nas casas especializadas, e nas igrejas e conventos os belos Missais, Kyriales, Antiphonários, Liber Usualis, etc., haviam sido jogados no lixo, quando não queimados, como pudemos verificar algumas vezes. Respigando, entretanto aqui e ali, conseguiu o Coral Gregoriano, no decurso de todos esses anos, acumular um respeitável acervo de obras de música sacra antiga que graças aos seus cuidados está sobrevivendo e o que é melhor, sendo usado até hoje.

No inicio, entretanto, vivia o Coral de ensaios e estudos, lutando para sobreviver sem encontrar oportunidades para se apresentar, sofrendo uma verdadeira rejeição por parte dos meios religiosos, que deveriam ser os mais interessados em manter o valor cultural, a beleza melódica, a tradição de séculos que se encerram no Canto Gregoriano, quando não, ao menos em obediência às decisões do Vaticano II que na Constituição Dogmática "Sacrosanctum Concilium" (116) diz: "A igreja reconhece o canto gregoriano como próprio da liturgia romana. Portanto, em igualdade de condições, ocupa o primeiro lugar nas ações litúrgicas".

Um artigo publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO de 26 de agosto de 1974, sobre o ressurgimento do interesse popular pelo Canto Gregoriano, estimulou o grupo a continuar intensificando e aprofundando mais ainda o cultivo do referido canto.

Em um reunião ocorrida em dependência da Basílica Menor de Santo Antônio do Embaré,  em Santos-SP, então dirigida pelo vigário Frei Alexandre Tognoli, OFM (já falecido), foram tomadas várias resoluções que aliadas à cordial acolhida que lhe foi proporcionada por aquele sacerdote, deram ao grupo mais organização e consistência.

Escolhido como regente do grupo Frei Alexandre - organista emérito, compositor e arranjador de reconhecida qualidade - foi adotado o nome de CORO PASTORAL GREGORIANO, ficando estabelecida como sua sede a Paróquia do Embaré.
Os ensaios, quinzenais, passaram a ser realizados regularmente, na 2.a quinta-feira e 4.a sexta-feira de cada mês, às 20h30. O Coral passou a ter uma apresentação mensal garantida, pois Frei Alexandre programou-o para a Missa Vespertina do 3º sábado de cada mês.
As demonstrações de agrado por parte do público ante tal iniciativa começaram a franquear-lhe outras igrejas e, para um ritmo constante de atuações, destinou-se o 1º sábado ou domingo de cada mês para essas apresentações fora da Paróquia do Embaré.
Constituiu-se então a primeira diretoria eleita, formada pelos seguintes elementos: Constantino Bento Júnior (Coordenador); José de Moura Ferreira (Secretário); Luiz Carlos Peres (Regente Substituto) e Antônio Sansivieri (Rel. Públicas).

Com o falecimento de Frei Alexandre, em 13/02/75, viu-se novamente o Coral sem apoio artístico e sem base territorial para suas atuações. Durante pouco mais de um ano atuou sem base fixa sob a direção do regente substituto, apresentando-se esporadicamente em cerimônias e festividades litúrgicas em várias igrejas da cidade e vizinhanças.

Em março de 1976, já sob a direção do Pe. Joaquim Ximenes Coutinho, o grupo ganhou nova alma, aprofundando-se mais no estudo do canto gregoriano, apresentando-se com regularidade e introduzindo em seu repertório algumas peças polifônicas.

A partir dessa época, conhecido e designado nos meios artísticos e religiosos da Cidade como CORAL GREGORIANO DE SANTOS, acabou por adotar definitivamente esse nome.
Em janeiro de 1980 o Coral Gregoriano de Santos promoveu um curso de Canto Gregoriano, aberto ao público em geral, o qual foi ministrado no Colégio São José por Frei Joaquim D. Alves, OFMcap, com duração de 5 dias e versou sobre a história, a teoria, a técnica e a interpretação do Canto Chão. Formado pela Faculdade Artística e Musical Santa Marcelina de Botucatu e em Canto Gregoriano pelo Instituto Pio X do Rio de Janeiro, Frei Joaquim marcou com esse curso mais uma etapa na trajetória ascensional que o Coral Gregoriano de Santos vinha experimentando.

Convidado pelo delegado regional da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, Sr. Sérgio Freire Pinto, para organizar um recital de música sacra comemorativo da festa de Nossa Senhora do Monte Serrate, padroeira da Cidade de Santos, associou-se o Coral Gregoriano de Santos com o Madrigal "Ars Viva", no empreendimento, conseguindo ambos promoverem um espetáculo de música sacra de grande sucesso, quer pelo numeroso público presente, quer pelo alto nível artístico, técnico e pedagógico conseguido, pois os repertórios dos corais que se apresentaram foram programados de maneira a cobrir toda a história da música: do Gregoriano aos compositores mais recentes, o que, complementado por uma clara explanação ao início do espetáculo, deu ao mesmo o cunho de uma excelente e agradável aula, cuja originalidade foi por todos os presentes elogiada.
Para o Coral Gregoriano, particularmente, foi uma agradável surpresa a ótima receptividade manifestada pelo público, pelos participantes e dirigentes dos demais corais à sua participação em promoção de cunho artístico-cultural fora do ambiente religioso, que era até então o seu exclusivo "habitat".

Desde então, o coral tem-se mantido em maior ou menor evidência, participando de encontros de corais, dando concertos em igrejas e, a pedido de pessoas e entidades que ainda admiram e reconhecem no Canto Gregoriano uma capacidade ímpar de exprimir o sentimento religioso, atuando em missas e casamentos. Assim participou de solenidades, como a missa inaugural do Museu de Arte Sacra de Santos, missas de Réquiem, e diversos outros eventos de caráter religioso, dentro e fora do Estado de São Paulo, pois sua fama e reconhecimento como séria e competente instituição de preservação do canto sacro e seu rico cerimoniário, de há muito ultrapassou fronteiras.

Novos elementos ingressam frequentemente no coral, cobrindo a falta dos muitos que faleceram durante essa longa caminhada (só dois fundadores sobrevivem), sem diminuir o ímpeto do seu progresso em aumentar o repertório e em interpretá-lo sempre com maior fidelidade e com grande unção e piedade. Cabe aqui também respeitosamente registrar todos aqueles regentes e auxiliares, além dos já citados, que ao longo dos anos contribuíram para a formação artística do coral, como o Maestro José de Sá Porto, Luiz Carlos Peres, Constantino Bento Júnior, Flávio Luiz Jabbur Ferreira e Manoel Roberto Lopes.



O Coral apresenta-se na Missa Conventual das 11 horas do 2º Domingo de cada mês no Convento do Carmo de Santos há quase vinte anos, e também, com regularidade, em diversos outros eventos onde seja requerida a rica liturgia musical da Igreja.

Entretanto é com tristeza que seus integrantes vêem os anos passarem sem que a Igreja no Brasil recoloque o Canto Gregoriano no lugar de destaque determinado pelo Concílio Vaticano II e que tem sido reafirmado pelos últimos Papas. A atual geração de padres ante-conciliares está envelhecendo e nos seminários não se estuda mais o Canto Gregoriano..


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Guardião dessa chama votiva da cultura e do sentimento religioso de tantos séculos,  o CORAL GREGORIANO DE SANTOS espera que novas gerações de músicos, se não de religiosos, venham render a guarda, para que essa chama votiva não se apague e não se perca com ela as próprias origens da música como a conhecemos.



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(*) Condensado de texto original de Luiz Carlos Peres